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13 de março de 2011

A Grande Reunião


Chegou o dia da grande reunião. De toda a parte as nuvens vinham, cada uma com o pouco que possuía. Aos poucos foram se juntando em volta da montanha, como uma grande tribo em volta da fogueira. Chegou o dia da grande reunião.

Nuvens de toda parte, de todos os mares, de todas as terras se juntaram em volta da montanha. Cada uma com o pouco que possuía. Cada uma com um pouco pra compartilhar.

Em volta da montanha o céu já não se via. Pintado do lilás ao cinza, escuro, cada vez mais escuro, o céu se escondia. Chegou o dia da grande reunião.

Os pássaros cantavam, os lobos riam e sobre a montanha as nuvens se reuniam. Cada uma com um pouco que possuía. Cada uma com um pouco pra compartilhar.

E de todos os mares, de todas as terras, de todos os lugares, o mais antigo de todos os seres se reuniu. De todos os peixes, de todos os pássaros, de todos os seres e matas: veio ele.

Em volta da montanha o grande ser se reuniu. Uma parte de cada parte, um pedaço de cada inteiro e naquele momento um estrondoso som rasgou o ar, um raio atravessando a noite, anunciando a tempestade que surgia.

Naquela noite, em que novamente ele se reunia, a chuva que um pouco de todos possuía, compartilhou com a vida uma linda melodia.

Naquela música, que na noite chovia, caiu uma gota de chuva sobre a montanha. Uma gota na tempestade que se contorcia, e pelas encostas da grande montanha ela descia. Uma gota que de tudo vinha, uma gota junto à outra e à outras gotas, tantas gotas que desciam e novamente se reuniam. Chegou o dia da grande reunião.

E cada gota trazia um pouco que possuía. Cada gota compartilhava um pouco do que tinha. Aos poucos foram se juntando em volta da montanha, como uma grande tribo em volta da fogueira. E descendo pela montanha como uma grande cachoeira, essa serpente de pedras, barro, galhos, água: possuía um pedaço de cada um, uma parte de cada inteiro.

Essa serpente que rastejava lavando as encostas da grande montanha, esse grande ser que logo rio se tornaria: era parte de tudo e de tudo fazia parte.

E a gota que com ela deslizou pela terra, sem ser absorvida, sendo levada pela enxurrada: não sabia mais quem era, soprada pelo vento, a gota que no rio se diluía cada vez mais se esquecia.

Surda pelos estrondosos trovões, desnorteada pela vertiginosa queda, a gota se esquecia da onde vinha. E a montanha que antes lhe pertencia era uma sombra de outro dia. Por entre as pedras, galhos, folhas, a gota chegou à floresta. A gota que à tudo pertencia e que de tudo fazia parte. Agora a chuva se acalmava e ela que aos poucos se esquecia, agora achava que só ao riacho pertencia. E assim como parte do processo, achou que era o riacho.

Acontece que certo dia por ali passava um pássaro que no rio foi matar a sede. A sede que do pássaro vinha, não era do pássaro. Não era o pássaro que sentia sede, era a sede que sentia o pássaro. E a sede, da cachoeira bebeu, e a sede, a gota absorveu, e a gota logo se esqueceu que um dia pertenceu ao rio, e a gota agora achava que só ao pássaro pertencia. E assim como parte do processo, achou que era o pássaro.

Acontece que certo dia o pássaro adubou o chão, e a gota que a tudo pertencia, e que de tudo se esqueceu, achava que era adubo. E adubo se tornou.

E a gota que agora achava que era adubo, desceu pela terra e fundo nela acordou a semente. A semente que era gota, ou a gota que era semente: nasceu. E como parte do processo cresceu.

Acontece que certo dia por ali passou um índio, e o índio passando percebeu, que o que percebia, era que aquela planta um segredo escondia. E a planta que um dia nasceu, morreu, e como parte do processo, na panela do índio, a gota pelo índio absorvida à ele pertencia, ou já não sabia mais o que se esquecia, de onde tudo um dia, que se reunia, que um dia... se esquecia...

E mais uma vez a gota passou a fazer parte do processo: de tudo para gota, para rio, para pássaro, para planta e agora para homem. Durante todos os processos, todos os processos foi, e foi processada, foi móida e transformada de acordo com as regras. Mas neste novo corpo, algo aconteceu.

Como parte do sangue do índio, a gota percorria o corpo, mas sempre muito atenta observava as coisas à volta. Certo dia chegou próxima ao cérebro, e lá percebeu vários raios. Se lembrou então dos raios que precederam sua queda da montanha e todas as suas outras encarnações, de tudo que fez parte: das nuvens, do rio, do pássaro, do adubo, da semente, da planta, do homem, do tudo.

Chegou o dia da grande reunião. De toda a parte as gotas de sangue vinham, cada uma com o pouco que possuía. Aos poucos foram se juntando em volta do cérebro, como uma grande tribo em volta da fogueira. Chegou o dia da grande reunião.

Pensamentos de toda parte, de todos os mares, de todas as terras se juntaram em volta do cérebro. Cada um com um pouco que possuía. Cada um com um pouco pra compartilhar.

Dali a gota prosseguiu sua compreensão. E como parte do processo a gota compreendeu, e como índio se percebeu: em cada gota, rio, pássaro, mata... Dentro do índio algo mudou, e ele se tornou o pajé da tribo.

Acontece que o tempo passou e o pajé um dia saiu para colher a planta mágica que o ensinou a caminhar no mundo dos espíritos. Neste dia chove muito, mas a chuva fez muito bem ao pajé, e a gota que era ele, ou ele que era a gota, que tudo um dia, a tudo pertencia, e que agora não mais se esquecia...

O pajé sentiu uma imensa vontade de subir a montanha, levantou e foi. Subiu a montanha escarpada, e ao subir viu a água que da montanha descia para o rio, e aos poucos se percebia: como gota, como, índio, como tudo.

Sentou numa pedra e deixou a água escorrer por entre suas frestas como se ele fosse uma imensa montanha. Então ouviu uma voz dentro de si.

Ele olhou para si e agradecendo ao grande ser que dentro de si se expandia, e a tudo que via e que não via, e a tudo que se movia e não se movia, ao mais velho de todos os seres ele agradeceu, e percebeu que a ele pertencia tudo e tudo dele vinha.

Entendeu que a água que em tudo se espalha e se junta e se reune e tudo é, é tudo e de tudo faz parte. Agradeceu e sorriu por ser tão antigo e por finalmente ter entendido: que chegou o dia da grande reunião.

por Racziel Megisto

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