O que têm em comum a tempestade de granizo que fustigou Lisboa em Abril deste ano, o grande sismo e tsunami que devastaram a costa japonesa em Março ou a estranha vaga de pássaros mortos que se verificou em várias partes da América no início do ano? Para muitos cibernautas de todo o Mundo, a resposta tem cinco letras: HAARP. Em inglês, esta é a sigla de High Frequency Active Auroral Research Program (Programa de Pesquisa de Actividade Aural de Alta Frequência, numa tradução livre).
Oficialmente, trata-se de um programa iniciado nos anos 90 pelas Forças Armadas americanas para o desenvolvimentos das comunicações através da ionosfera, a camada mais elevada da atmosfera do Planeta. A partir de uma base no Alasca, os americanos usam emissões de grande potência para comunicar com submarinos e aviões, mas os detractores do projecto dizem que se trata de uma arma capaz de provocar as mais terríveis catástrofes naturais.
CONTESTAÇÃO POLÍTICA
A especulação sobre os poderes malévolos do projecto HAARP não se alimenta apenas de fontes anónimas da internet: Em Janeiro de 2010, pouco depois de o Haiti ter sido arrasado por um sismo, o presidente venezuelano Hugo Chávez declarou que a catástrofe tinha sido "um claro resultado de um teste da marinha norte-americana", referindo "um terramoto experimental dos EUA". No caso do sismo do Japão, também não faltam advogados da causa de que o desastre natural foi provocado pelo HAARP, e até em relação à tempestade de granizo que se abateu sobre a região de Lisboa no final de Abril há quem associe o estranho fenómeno natural ao ‘sinistro' projecto americano.
Mas o HAARP é apenas uma das pontas de um gigantesco icebergue de teorias catastróficas. A internet é o vespeiro ideal onde se multiplicam cenários do fim dos tempos, incluindo o uso de poderosas armas secretas capazes de devastar o Planeta e manipular as consciências.
FIM DO MUNDO ADIADO
Há dias, o veterano radialista americano Harold Camping, de 89 anos, saltou para as notícias com a sua previsão de que o Mundo iria acabar a 21 de Maio. Harold, líder de um movimento cristão, gastou quase toda a sua fortuna pessoal (estimada em muitos milhões de dólares) a divulgar o acontecimento, e ficou destroçado quando acordou, vivo e de boa saúde, na manhã do dia 22. Desorientado, faltaram-lhe palavras para se dirigir àqueles que, como ele, se tinham livrado dos bens materiais para serem abençoados no dia do Juízo Final: "Não estamos no ramo de dar conselhos financeiros. A nossa missão é dizer às pessoas que há alguém com quem se pode falar, e esse alguém é Deus", disse o ‘visionário' à BBC. Apesar de considerar ter cometido "um erro terrível", Harold preconiza uma nova data para a segunda vinda de Cristo à Terra: o próximo dia 21 de Outubro.
O sociólogo Moisés Espírito Santo, especialista em religiões, lembra que as apoquentações espirituais sobre o fim do Mundo não são de agora. "O próprio Jesus Cristo disse aos seus seguidores que alguns deles iriam assistir ao Juízo Final", lembra o especialista. "Todas as religiões contêm nos seus escritos referências a um dia do Juízo Final, e há sempre quem tente encontrar datas para estes eventos. Mas são quase sempre movimentos à margem que apontam datas concretas". Na era da tecnologia, as teses mais esotéricas prosperam: "É uma utopia pensarmos que a Ciência poderá levar as pessoas a abandonar as suas crenças. Haverá sempre quem acredite nas teses mais obscurantistas ", diz Moisés Espírito Santo, que sublinha o facto de "a tecnologia e redes como a internet servirem muitas vezes para as pessoas descobrirem justificações adicionais para aquilo em que acreditam".
O MITO DOS MAIAS
A profecia apocalíptica mais popular da actualidade tem a ver com o fim do calendário Maia, a antiga civilização que despontou na América Latina até à chegada dos europeus. O mito instalado explica que os Maias contaram os dias até à data de 21 de Dezembro de 2012. Depois, viria o caos e a destruição. Hollywood agarrou o tema e, no ano passado, o filme ‘2012' arrastou para as salas de cinema milhões de espectadores.
CONTAS TROCADAS
No entanto, mais uma vez, entre o mito e a realidade vai uma distância considerável. Edwin Barnhart, director do Centro de Exploração Maia, baseado na cidade americana de Austin, é um dos mais reputados especialistas mundiais nesta antiga civilização. Em conversa com a Domingo, o investigador desmonta os vários mitos criados à volta do anunciado fim do Mundo.
"Existe uma grande confusão acerca da forma como o mundo ocidental analisa o calendário maia. A forma como usamos a matemática para contar o tempo não tem correspondência directa com o sistema que os maias usavam. Não há nenhuma prova que nos possa levar a concluir sem margem para dúvidas que o calendário Maia vá acabar a 21 de Dezembro de 2012", explica Edwin Barnhart.
"Estamos a viver a quarta era do calendário maia. O último ciclo iniciou-se no ano de 3114 a.C., mas não sabemos se todos os ciclos têm a mesma duração. Os maias encaravam a mudança de ciclos como uma oportunidade de renovação, de reconstruir a sociedade tanto em termos físicos, com a substituição de velhos edifícios por novas construções, como em termos espirituais, com a adopção de novos valores e comportamentos. Nunca se referem a acontecimentos catastróficos nessas mudanças", defende Barnhart.
Apesar do alarmismo, o investigador reconhece vantagens nesta onda de medo: "nunca houve tanto interesse pela cultura maia. Espero que, depois de 2012, as pessoas se possam concentrar no mais importante para apreciar os maias como uma das civilizações mais fascinantes do mundo antigo".
PLANETAS EM COLISÃO
Barnhart gasta boa parte do seu tempo a dar palestras nas universidades americanas, mas são muitos mais os que preferem acreditar no que se lê na internet. E se uma teoria da conspiração atrai muita gente, quando se combinam várias teorias num mesmo enredo o resultado é ainda melhor. A profecia maia tem sido conjugada com uma outra teoria catastrofista; a de que existe um 9º planeta (excluindo o despromovido Plutão) no Sistema Solar, designado por Planeta X ou Nibiru (alegadamente descoberto pelos sumérios há milhares de anos). Este planeta estará em rota de colisão com a Terra no dia em que se prevê o fim do tempos. O assunto ganhou tal dimensão que a própria agência espacial americana dedica várias páginas do seu site a tentar serenar os ânimos mais exaltados.
Numa dessas páginas, Don Yeomans, investigador sénior da NASA, usa o humor como arma: "Nada de mal vai acontecer à Terra em 2012. O nosso Planeta tem-se safado muito bem há mais de 4 mil milhões de anos, e cientistas credíveis de todo o Mundo desconhecem qualquer ameaça associada ao ano 2012". O cientista explica com mais detalhe a falsidade das teses de colisão iminente com outro corpo celeste: "Nibiru e outras histórias sobre planetas em rota de colisão são embustes da internet. Não há base factual para estas especulações. Se Nibiru ou o Planeta X fossem reais e estivessem na rota da Terra em 2012, os astrónomos já os estariam a seguir desde a última década e seriam agora visíveis a olho nu".
PERIGO NOS CÉUS
Outra preocupação muito em voga são os chamados ‘chemtrails', que podemos traduzir como ‘rastos químicos'. Ao observar os céus após a passagem de aviões, muita gente concluiu que os rastos de fumo branco deixados pelas aeronaves demoram cada vez mais tempo a dissipar-se. Rapidamente se chegou à conclusão de que, em vez de se tratar do vapor de condensação associado aos motores dos aviões, estas nuvens resultam do lançamento de químicos com fins malévolos.
Acusam-se os governos de terem programas específicos para produzir alterações climáticas e até envenenar populações. E pouco têm adiantado as respostas de diferentes autoridades. Os parlamentos do Canadá e do Reino Unido já estudaram o assunto, sem descobrir motivos de alarme, e os americanos emitiram, em 2000, um documento subscrito por várias entidades oficiais a garantir que estas nuvens são formadas principalmente por cristais de gelo. Mas basta escrever ‘chemtrails' num motor de pesquisa para obter milhares de resultados ‘aterradores'. E os céus de Portugal não estão a salvo...
REBELDES COM UMA CAUSA
Não são propriamente apocalípticos, mas acreditam que o Planeta chegou a um ponto de ruptura. Consumimos muito mais do que produzimos e a este ritmo a humanidade caminha para a ruína. O diagnóstico não é especialmente original, mas a receita que o Movimento Zeitgeist defende para resolver contradição insanável pressupõe uma nova ideologia. O Zeitgeist (expressão alemã que significa ‘o espírito do tempo') nasceu dos filmes de Peter Joseph, fundador do movimento. Peter começou por questionar o funcionamento da sociedade capitalista e dissecou as razões económicas das guerras e conflitos. O filme ‘Zeitgeist', de 2007, abriu caminho ao movimento homónimo.
Em Portugal, o site conta com 7500 assinaturas de gente empenhada em construir "uma sociedade baseada na distribuição de recursos, em que o método científico e a tecnologia garantam que todos tenham acesso gratuito aos bens essenciais", explica o coordenador nacional, Miguel Oliveira, um publicitário de 19 anos.
O movimento luta para que um dia os aparelhos político, judicial e jurídico se tornem obsoletos, para que se possa viver "num novo tipo de sociedade", sem políticos nem tribunais. Pode parecer uma utopia, mas Miguel Oliveira defende as suas convicções, acreditando nos efeitos a longo prazo: "Não sei se no meu tempo de vida vou assistir a estas transformações, mas é o nosso dever lançar as sementes e empenharmo-nos na educação dos mais novos, procurando consciencializá-los para construírem um mundo mais sustentável e racional", diz.
CONSPIRADORES PODEROSOS
Tema clássico das teorias da conspiração são as sociedades secretas, vistas como a causa de grande parte dos males do Mundo. Illuminati - que o escritor Dan Brown cita frequentemente nos seus livros -, o grupo Bilderberg ou o colectivo Bohemian Growth são alguns dos nomes atirados para a fogueira por reunirem os ricos e poderosos do Mundo e tomarem as grandes decisões da guerra, da política e da economia.
Mas a grande conspiração global desemboca na teoria da New World Order (Nova Ordem Mundial), que diz que o Mundo está nas mãos de um grupo restrito de grandes banqueiros, empresários e políticos, que decidem os rumos do Mundo conforme as suas conveniências. Num País a viver sobre o jugo das regras ditadas pela troika do FMI, Banco Central Europeu e União Europeia, abre-se terreno fértil para que todas as sementes da conspiração possam crescer e prosperar...
SISMO ANUNCIADO HÁ 30 ANOS AFINAL NÃO ACONTECEU
Falecido em 1979, o cientista italiano Raffaele Bendandi deixou uma vasta obra sobre a ocorrência de terramotos. Esforçou-se por desenvolver técnicas de prever os sismos e, há algumas semanas, começou a circular o rumor de que Bendandi tinha descoberto que a cidade de Roma haveria de ser abalada no dia 11 de Maio de 2011.
Apesar dos apelos à calma das autoridades, milhares de romanos tomaram o boato por verdadeiro e abandonaram a cidade. Muitas lojas fecharam e milhares de crianças foram retiradas das escolas pelos pais. Afinal, nem a terra tremeu, nem o rumor tinha fundamento. A própria família de Bendandi, que guarda os documentos do cientista, negou que existisse alguma referência ao malfadado sismo. O mito voltou a ganhar à razão.
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